Os Citas: os terríveis guerreiros que bebiam sangue dos seus inimigos.
Os Citas. Ilustração de Angus McBride publicada no livro ‘The Scythians 700-300 BC’, escrito por Yevhen Chernenko.
Eles eram uma das tribos mais sanguinárias da História. Quando os citas entravam no campo de batalha, se contava que o ar ficava tão denso com flechas com pontas de bronze que o sol era apagado.
Montados em seus cavalos velozes, eles disparavam saraivada após saraivada de flechas contra os inimigos aterrorizados, antes de pularem no chão para cravarem machados nos crânios de seus oponentes.
E quando exterminavam os homens, começavam a massacrar as mulheres e os cavalos, antes de beberem horrivelmente o sangue daqueles que haviam matado.
Os citas são uma tribo estranhamente esquecida, dada a vasta área que governaram e os 700 anos em que sobreviveram. De 900 a 200 a.C., esses povos nômades vagaram por grandes distâncias pelas estepes, ou pastagens planas, do sul da Rússia.
Por volta de 600 a.C., eles criaram uma dinastia real. Os chefes foram chamados de reis (ou basileus pelos gregos) e transmitiram o poder hereditário aos seus filhos durante os séculos 5 e 4 a.C.
Esses reis foram enterrados em grandes túmulos, cheios de suas armas de guerra – espadas e machados e decorações douradas para bainhas de espadas e arcos.
Na maior extensão do seu império, os citas controlavam uma enorme área, desde o norte da China até ao Mar Negro – a Sibéria, onde se originaram, ocupa um décimo da superfície da Terra. Em setembro de 2017 o Museu Britânico, com sede em Londres, realizou uma amostra com lindas joias de ouro dos citas, bem como itens de uso diário incrivelmente intactos, como calças, botas e selas que eram cruciais para seus cavalos e estilo de vida nômade.
Um pedaço macabro de pele pintada da parte superior do tronco de um guerreiro demonstrou como eles faziam tatuagens gráficas feitas com um pigmento preto-azulado à base de fuligem.
A pele exposta era de um chefe de 60 anos que tinha feras fantásticas, cavalos, tigres e ovelhas pintadas por todo o corpo. As mulheres também se tatuavam. Elas também eram excelentes cavaleiras que raspavam a cabeça e usavam calças para facilitar a cavalgada.
Elas lutavam ao lado de seus homens e eram enterradas com suas armas e cavalos. Se conta que as mulheres citas inspiraram as amazonas – as ferozes guerreiras que, segundo o mito grego, cortavam um dos seios para disparar flechas com mais facilidade.
Todos os artefatos da amostra do Museu Britânico de 2017 foram mantidos em condições extraordinárias pelo permafrost siberiano em que foram depositados.
Os remanescentes arqueológicos foram encontrados principalmente em túmulos de guerreiros e reis. Eles sobreviveram sob o solo congelado por 2.000 anos, até 1715, quando Pedro, o Grande, o czar russo, enviar expedições especiais à Sibéria para recuperar os tesouros desta tribo. Hoje, a maioria dos russos considera os citas uma parte importante de sua história, e as centenas de objetos desta exposição foram emprestados pelo Museu Hermitage, em São Petersburgo.
Como os citas eram nômades, eles nunca se estabeleceram. Portanto, não restam ruínas de cidades e nenhum registro escrito cita contemporâneo sobreviveu, o que geralmente é a chave vital para desvendar uma civilização antiga. Quase tudo o que sabemos sobre eles – exceto descobertas arqueológicas – vem de Heródoto, estudioso grego do século 5 a.C. conhecido como o pai da história.
Em sua obra Heródoto revela os segredos de uma tribo surpreendentemente guerreira com uma devoção ritual ao massacre. Heródoto escreveu: “Um cita bebe o sangue do primeiro homem que derrubou. Ele leva para o seu rei as cabeças de todos os que ele matou. Há também evidências de que eles escalpelaram algumas de suas vítimas depois de matá-las.”
Após esses ataques, eles relaxavam com tigelas de madeira com leite de égua fermentado ou vinho em grandes recipientes de ouro e prata.
Eles também queimavam cânhamo em pedras incandescentes e ficavam intoxicados com esta fumaça. Todos os anos, segundo Heródoto, o governador de uma província cita preparava uma enorme taça de vinho.
Se um guerreiro matasse um inimigo, ele receberia uma xícara desta. Se ele tivesse matado mais de um, ele ganhava duas xícaras. Mas se não matasse ninguém, não só não poderia tomar a bebida, como também teriam que sentar-se separado do banquete após a batalha – “uma grande desgraça”. Os citas estavam sempre em guerra com os seus vizinhos no limite do seu reino.
Eles lutaram contra uma tribo chamada cimérios, à beira do Mar Negro, e invadiram a Midiã no Irã e espancaram os nativos. No século 7 a.C., eles até enfrentaram os poderosos egípcios, cujo faraó ficou tão aterrorizado que pagou aos citas subornos maciços para evitar mais ataques.
Os citas também invadiram profundamente o que hoje é a Turquia moderna e o Cáucaso (atual Rússia, Geórgia e Armênia). Essas conquistas militares dos citas foram um sucesso por causa de sua obsessão por armas e cavalos, que foram combinados com disparos de lanças e flechas com pontas de bronze.
Heródoto escreveu: “Eles são cavaleiros e lacaios, e lanceiros e arqueiros; e é costume deles carregar machados de batalha. Sempre usam ouro e bronze; todas as suas pontas de lança, pontas de flechas e machados de batalha são de bronze.” Suas flechas eram particularmente arrepiantes. Elas eram trilobados (lâminas triplas) para ter um efeito máximo na vítima. As pontas das flechas também eram enormes, o que significava que podiam causar ferimentos graves e eram muito difíceis de extrair. Os citas eram tão devotados às suas flechas e às aljavas em que as guardavam, que foram enterrados com elas.
Tumbas citas foram escavadas, com essas aljavas ainda intactas, segurando suas flechas originais. Um historiador grego do século 3 a.C. conta a história de como os citas, antes de irem para a cama, examinavam sua aljava para ver se haviam tido um dia de matança bem-sucedido. Nesse caso, colocavam uma pedra branca dentro da aljava; num dia ruim e sem derramamento de sangue, eles depositavam uma pedra negra. Na morte, contava-se o número de pedras: se houvesse mais pedras brancas do que pretas, eram glorificados como seres afortunados.
Por serem nômades, os citas eram fantasticamente móveis em batalha. Ninguém sabia de onde eles viriam. Mesmo que estivessem em retirada tática, eram impossíveis de serem capturados. Heródoto descreve as tentativas desesperadas de Dario I, imperador dos persas, de conter os citas na batalha perto do Mar Negro em 513 a.C. Ele não teve chance. Em seus cavalos ágeis, os citas corriam para cá e para lá, destruindo pastagens e poços de água enquanto partiam, deixando as tropas perseguidoras de Dario sem comida e bebida.
Assim que os citas conseguiram uma vitória – ou sofreram uma rara derrota – eles dispararam pelas pastagens russas planas e desflorestadas que conheciam tão bem; e onde era fácil para seus inimigos se perderem, devido a sua paisagem vasta e imutável. Os citas também podiam ser guerreiros mais esquivos, de acordo com um manual militar bizantino do século 6 a.C.: “Eles preferem batalhas travadas a longa distância, emboscadas, cercando seus adversários, retiradas simuladas e retornos repentinos.” Quando entravam em combate corpo a corpo, eram totalmente implacáveis, usando akinakes (espadas curtas), adagas e machados de batalha para atacar o inimigo.
Eles adoravam tanto suas armas que não apenas foram enterrados com elas, mas até fizeram esculturas de pedra com elas. Uma de suas armas favoritas era o sagaris, um machado de batalha pontiagudo. O método era simples: bastava acertar os sagaris direto na cabeça de seus oponentes e de seus cavalos também. Foram descobertos esqueletos de cavalos, todos mortos com um golpe certeiro de um machado de batalha pontiagudo no meio da testa.
Alguns cavalos apresentam vários ferimentos no mesmo local, sugerindo um ataque frenético no calor da batalha. Os humanos não se saíram melhor. Num cemitério no sul da Sibéria, uma dúzia de esqueletos foram encontrados com ferimentos pontiagudos de machados de batalha na frente da cabeça.
Três quartos deles eram homens, mas as mulheres também foram vítimas da mesma forma. Machados de batalha também foram usados para cortar a nuca. Lanças foram enfiadas na testa e, de forma agonizante, na pélvis. Essas flechas com pontas de bronze também foram encontradas incrustadas em todas as partes dos corpos das vítimas; há esqueletos com ferimentos de flecha na cabeça, nas vértebras, no tórax, na pélvis, nos braços, nas pernas e nos tornozelos. Embora os citas tenham construído um grande e temido império este foi construído com base no sangue de seus inimigos.